Entrada de nossa casa em São José dos Campos |
Nasci em São José dos Campos, em São Paulo.
Morava na Rua Justino Cobra, 235, na Vila Ema. Morei lá até meus oito anos,
quando mudamos para Fortaleza. Em São José estudava no Grupo Escolar Olímpio
Catão, mas tive antes uma professora particular, da qual não lembro o nome. Ia
sozinho, de ônibus. Um frio danado, mas fazer o que?
Para vocês terem uma idéia de como era São José
dos Campos naquela época, uma das vezes que voltava da escola (acho que gazeei
alguma aula) desci na Esplanada e, com um colega, laçamos dois cavalos. Levamos
os animais até o muro da casa do Tio Raimundo e, sem ninguém ver, pegamos umas
almofadas. Subimos no muro e do muro para os cavalos... Depois de uns 10
minutos de passeio um susto: o dono apareceu! E nos dando um carão, nos fez
descer e levou “nossos” cavalos, com as cordas e as almofadas... Deve ter
ficado com elas. Se o cara entregou para o Tio Raimundo não tomei conhecimento.
A chegada da televisão em nossa casa foi um
acontecimento. Deve ter sido por volta de 1957, por aí. Um aparelho com
gabinete metálico vermelho, de fabricação americana. Minha mãe me dizia que descobriram
que eu tinha aprendido a ler nos “reclames” da televisão. As leituras também
foram importantes nesta época. Lia Contos de Andersen, Contos de Grimm, a
coleção de Monteiro Lobato inteira (mais de uma vez), além de fuçar muitas no
Tesouro da Juventude, uma coleção muito boa. Marcou muito em minha criação a
leitura da séria “Antes que aprendam na rua”, projetada para crianças até 12
anos. Em São José dos Campos também ganhei minha primeira sanfona, depois que
tinha começado a aprender a tocar com Dona Ivone, minha primeira professora de
música. Na foto ao lado eu e meu irmão Getúlio. Aparece também o meu gato Babu, nome que permaneceu em quase todos os gatos que tivemos em nossa casa.
A mudança
para Fortaleza
Uma curiosidade: meu pai colocou três
pedacinhos de papel, com os nomes Brasília, Belo Horizonte e Fortaleza. E pediu
para que eu escolhesse um dos papéis, em uma ação de pura sorte esteve o nosso
futuro. E após o sorteio de Fortaleza, meu pai disse para a minha mãe: “Zisile,
pode vender tudo”, se referindo às casas e móveis. Assim mudamos para
Fortaleza.
Meus pais, Alberto Ribeiro e Zisile |
Quando chegamos a Fortaleza, em 1960, meus pais
alugaram uma casa no Bairro de Fátima, que ficava bem atrás do Colégio Nossa
Senhora das Graças, na Rua Monsenhor Otávio de Castro. A casa tinha sido
conseguida pela minha “Tia Freira”, a irmã Margarida como era chamada. Tínhamos
de mobília apenas um beliche, uma mesinha com cadeiras, uma moringa e uma cama.
O papai me disse quando o avião (um quadrimotor Super Constelation) sobrevoou
Fortaleza, que minha saúde iria mudar e que jogaria minha bronquite no mar – e
foi o que aconteceu!
Ainda no primeiro endereço estudei no
educandário Gabriela Mistral. O Colégio Nossa Senhora das Graças era pertinho.
Quando eu ia por lá visitar levado por minha tia, que era freira, lembro que as
estudantes me colocavam para falar palavras como “vermelho” e “Fortaleza”,
naturalmente para curtirem o “r” de meu sotaque paulista. Estranhava bastante
os ônibus (todos antigos, a maioria muito velhos e com frente de caminhão)...
Também não entendia porque o pessoal de Fortaleza bebia “Taí”, tal como as
placas “Beba Tai” em todos os locais (era uma marca de refrigerante), enquanto
que em São Paulo
“Taí” era uma água sanitária...
Posteriormente mudamos para um apartamento que
ficava pertinho da Igreja da Sé, no final da Costa Barros. Brincava muito ao
redor da Igreja que estava em plena construção. Passei a estudar no Colégio
Santa Lúcia, que ficava na Costa Barros. Do apartamento cheguei a levar várias
vezes o almoço do papai até a Cooperativa da Construção, que ficava na Rua
Floriano Peixoto. Ia sozinho, imaginem! Mas naquela época não era problema.
Depois andava na Praça do Ferreira e olhava algumas lojas para ver carrinhos de
brinquedo, aviões, equipe do Exército ou de algum Forte Apache, alguma
“novidade” para minha coleção. Na Cooperativa quando atendia ao telefone no
intervalo do almoço do papai, e ficava muito invocado quando as pessoas diziam:
“a senhora poderia chamar”... Confundiam
minha voz de criança com a de uma atendente...
Nova
mudança
Outra mudança de endereço: agora para a Rua Mário
Mamede, 590, no bairro Treze de Maio. Uma casa nova, em um ambiente bem melhor,
no qual conheci vários amigos da vizinhança. O José Wilson (hoje médico) e o
Carlos Henrique eram os principais. Lembro de ter visto ao longe um grande
incêndio após o descarrilamento de um trem. Como tudo era bastante descampado
deu para ver ao longe a movimentação, os bombeiros tentando o acesso e o céu
todo avermelhado pelas chamas. Nesta casa estudei para a primeira comunhão,
freqüentava a Igreja de Fátima da qual cheguei a ser coroinha por algum tempo,
com mais dois colegas. Brigávamos para “ajudar a missa”, que ainda era
celebrada em Latim. Por
indicação da Tia Freira cheguei a participar de uma procissão, no Dia 13 de
Maio, vestido de anjo, no carro da Nossa Senhora de Fátima. Novo colégio, o
Christus. Um ônibus do próprio colégio vinha me pegar e deixar em casa.
Nesta nova morada aprontei muito... Preparava
armadilhas para minha avó Maria Ribeiro, quando ela vinha de São Paulo para nos
visitar. Eram latas com água que penduradas na lavanderia e com um sistema
feito com linha de nylon, de forma que quando ela passasse a lata derramasse a
água... Deu certo uma vez! E deu certo também um enorme carão que levei de meus
pais por causa disso, puro “terrorismo infantil”...
Mais
mudanças... Agora para Messejana!
Não tinha a noção exata ainda do que estava
acontecendo, na verdade. Idos de 1963. Faz muito tempo, de maneira que muitos
fragmentos de memória podem ter ido para o espaço ou estar guardado em algum
local atualmente sem acesso pelo sistema operacional da mente humana. Quando
começo a escrever tenho a nítida sensação de que uma busca em minha mente
começa a ocorrer, com se tivesse acionado um mecanismo de pesquisa.
Interessante como isto ocorre.
Mas continuando, lembro bem da movimentação e
que estávamos preparando uma “viagem”. Era o que significava para mim, que
estava ansioso e com muita expectativa. Não entendia direito as coisas, mas
sabia que iria para outro lugar. E os preparativos começaram. Observava tudo,
principalmente a conversa de meus pais. Eles falavam para mim de um novo local,
maravilhoso. Papai estava muito empolgado, disto eu recordo bem. E de vez em
quando trocava idéias conosco.
Sei também que pouco tempo daquilo tudo
acontecer eu fiz um passeio, com meus pais, e conheci rapidamente uma casa, com
o terreno ao redor com muitas bananeiras, um coqueiro e até uma mangueira.
Parecia um sítio para mim.
Não sei direito como foi a montagem de tudo
para o novo destino. Lembro apenas que fui à tarde, junto com minha mãe, no
caminhão velho do Zé Paulino, que mais tarde iria me ensinar os primeiros
passos e despertar minha vontade de dirigir. Depois de um grande percurso
chegamos. O caminhão parou em frente daquela que seria a nossa casa por muito
tempo.
Confesso que no início fiquei um pouco
assustado com as pessoas que cercaram nossa chegada. Uns ajudavam a retirar
nossos pertences e colocá-los na nova morada. Olhava ao redor e fiscalizava
tudo, principalmente meus brinquedos, que eram muitos. Alguns ainda
remanescentes de São José dos Campos, em São Paulo, onde nasci.
Em Messejana |
Sempre fui muito cuidadoso com meus pertences.
Guardava tudo arrumado em suas caixas e quando não possuía mais as embalagens originais
criei o hábito de usar caixas de sapato ou de qualquer coisa para dividir uma
gaveta, por exemplo. E a mania, que facilitou muito minha vida, persiste até
hoje.
No decorrer da retirada dos móveis percebi a
falta de um dos meus brinquedos favoritos – um avião de fricção (os mais novos
não conhecem o sistema)... Ouvi o som deste meu brinquedo perto de nossa casa e
avistei um menino da vizinhança com ele! Imediatamente fui pedir de volta e o
guardei em casa. Depois
de tudo retirado o caminhão ia voltar para trazer o restante das coisas. E eu
decidi (logicamente após minha mãe ter deixado) ficar esperando na nova casa. E
ao ficar esperando por muito tempo aproveitei para conhecer a pacata
vizinhança. Na esquina existia a bodega do Seu Paulo. A construção, muito
desgastada, ainda se mantém até hoje. Quando cheguei vi uma máquina grande, que
fazia um barulho enorme quando ligada! E perguntei logo para o dono, Seu Paulo,
que me explicou ser uma máquina de fazer caldo de cana, ou seja, uma
garapeira... O cheiro do caldo de cana
era muito bom e eu fiquei com vontade de experimentar aquilo. Mas não tinha
ficado com dinheiro. Como a vontade de provar o tal caldo de cana era grande
perguntei ao Seu Paulo se poderia “pagar quando meus pais chegassem”. Ele gentilmente
respondeu que sim, que não tinha problema, e me serviu talvez o que tenha sido
o melhor caldo de cana de minha vida. Gostei muito, saciei a sede e virei um
cliente da bodega...
Assim foi minha chegada a Messejana, uma terra
de clima espetacular, muito agradável. Uma área extremamente tranqüila, sem
movimentação de trânsito, sem violência, sem barulho e sem telefone. Logo me
acostumei com o belo lugar. Na frente de nossa casa um terreno onde o Zé
Paulino guardava o seu caminhão. Algum tempo depois ele me ofereceu para, a seu
lado, “colocar o caminhão para dentro”. Nem alcançava direito a embreagem e
dirigia este pouquinho em
pé. Gostava muito quando coincidia a chegada dele e o
oferecimento para dirigir o caminhão por alguns metros.
A grande diferença de São José dos Campos para
Fortaleza: onde nasci tinha todos os brinquedos, muitos livros, bolas, mas não
tinha com quem brincar. O clima era frio (o da cidade e o das pessoas (a
maioria de nossa vizinhança constituída por estrangeiros).
E assim foi por muito tempo: o jogo de bilas
(bolinhas de gude) com os colegas, na época das chuvas fazer barquinhos de
papel que corriam pela enxurrada em nossa rua, as brincadeiras de cowboy, com
revólveres de espoletas e a estrela de Xerife que só eu possuía e mais tarde o
campinho de futebol que ajudei a fazer.
Lembro ainda de dois dentes de leite que a Dona
Dalila, nossa vizinha, arrancou de mim com apenas uma linha. E depois do susto
daquela extração completamente desconhecida para mim, com o dente arrancado na
mão, tinha que jogar no telhado e dizer: “mourão, mourão, pega o meu dente
velho e me dá um são”.
Começaram os banhos na Lagoa da Paupina, nos
finais de semana, em um clube que não recordo o nome, de uma associação local. A
sede era bem pequena e passávamos por lá apenas pela estradinha que levava à
margem da lagoa. Um barracão coberto servia de abrigo para o sol nas horas
necessárias. As bóias de pneus de carro eram uma diversão e tanto.
Outras novidades foram às idas aos circos,
quando passavam por Messejana. Cheguei a ver uma levitação, que para mim foi
realidade pura! E nos intervalos do circo a turma toda comprava fotografias ¾
vendidas pelas belas moças circenses. Elas passavam por nós todos, na platéia e
ofereciam as lembranças.
Uma época totalmente inocente, pura, agradável
e inesquecível. Vale registrar tudo isso porque as crianças de hoje, das
grandes cidades, não podem mais fazer o que nós fazíamos, sem estarmos
conectados eletronicamente a nada! Tudo de bom em uma realidade natural, não virtual
como hoje em dia. Saudades de minha infância!