Estou meio perdido. Tenho que atualizar meus resumos de vida e
avaliar muitas situações que mudaram. Talvez seja pelo próprio tempo ou por
circunstâncias que não consegui definir ainda ou quem sabe, por decisões
difíceis de serem tomadas ou mesmo impossíveis a esta altura dos acontecimentos.
O fato é que sempre dediquei minha vida primeiramente ao
aprendizado, como até hoje, e com o próprio crescimento físico e idades certas,
aos trabalhos que desenvolvi em cada período de vida. Mas tudo levando à meta
principal, que é a família. Um sacrifício desde novo para conseguir
proporcionar um bem-estar para todos, sempre, sempre. Muito trabalho, estudo e
dedicação. A saúde (ou a falta dela) recebe hoje os reflexos de algumas
atitudes advindas do tipo de trabalho, iniciado praticamente desde meus 15 anos
de idade.
A vida é assim: quando os filhos se afastam e desenvolvem suas
próprias famílias aparece certo vácuo, muitas vezes preenchido pela presença
dos netos. É como se fosse uma repescagem, um resgate que ajuda a seguir em
frente. Por outro lado, face à rotina e convivência pessoal o diálogo não é
mais o mesmo, nem de perto. Parece que tudo se tornou apenas obrigação, ou
seja, tenho que fazer isso, tenho que fazer aquilo e nada parece ter fim ou
trazer uma saciedade, apesar de meus esforços. Observo que isso ocorre talvez
em razão de uma relativa segurança.
Vou perdendo gradativamente o interesse por algumas causas, talvez
motivado pelas inúmeras tentativas e resultados nada satisfatórios. Acho que
acertei ao me preocupar com o equilíbrio financeiro da família, ao transmitir
os princípios básicos do planejamento, em seu sentido mais amplo, e também de
traçar para todos o que em minha visão seria o melhor. Pelos resultados acho
que atingi este objetivo.
E continua o tempo: penso em melhorias para todos, procuro
organizar, planejar e manter o que há de melhor dentro de nossas
possibilidades. Mas a sensação de que estou remando contra a maré persiste. Tento
repassar alguns conhecimentos de vida, mas a relutância por parte de algumas
pessoas a aprender ou pelo menos a continuar tentando aprender diminui meus
limites de paciência e de tolerância. Neste ponto tenho que aceitar um de meus
erros, o de desejar que todas as pessoas sejam rápidas, que assimilem logo,
perguntem, critiquem o que achar necessário, francamente, elogiem e apresentem
ideias e soluções.
Sempre em meus trabalhos, em especial como músico, procurei avançar
o que fosse possível. E me espelhava nos melhores músicos para o alcance de
melhoras. E consequentemente este meu jeito de ser, de notar falhas, apontar
soluções, cobrar determinadas mudanças no estilo ou maneira de trabalhar, fez
com que em diversas vezes eu ouvisse expressões do tipo: “você reclama muito
nos ensaios”. E eu repliquei um dia dizendo: “E vocês nunca apontam erros”,
forma pela qual nunca iremos nos desenvolver. E insistia: apontem minhas falhas
porque os ensaios têm esta finalidade mesmo. São para o aperfeiçoamento,
portanto muito importantes.
Aliado a estes fatores a vida, ao mesmo tempo em que o tempo e a
idade nos favoreceram muito em diversos aspectos, nos proporcionaram também
algumas decepções inesperadas. Tenho a impressão de que não há limites para a
satisfação de todos. O copo d’água da satisfação de muita gente não enche
nunca! As dificuldades aumentam na proporção em que os dias passam.
O meu saudoso e inteligente pai disse algumas vezes, quando tinha
mais de 75 anos, que “há momentos para falar e outros para calar”. E eu ficava
sem entender a razão dessa afirmação. Agora parece que comecei a entender
perfeitamente o que ele queria dizer. O mundo é composto de vários ciclos de
vida. Os mais novos se tornam adultos e quase todos pensam que sabem muito mais
que os seus pais, um conceito que aqui no ocidente é muito diverso do que
ocorre nos países orientais, onde existem conselhos, formados por pessoas de
mais idade, que são respeitados pelos mais jovens.
Vou procurar o afastamento de certas atividades profissionais que
já não fazem tanto sentido para mim como antes. Como eu tive chances de
aprender os melhores caminhos para a organização do trabalho, através da
atividade de Inteligência, que exerci plenamente e da qual me orgulho muito,
outras pessoas não passaram pelo mesmo processo, vivências ou simplesmente não
possuem características semelhantes para tal. O que é uma constatação, tendo em
vista que até nossos dedos são diferentes...
Como disse no início deste texto “Estou meio perdido”. Acrescento:
e ansioso também, pelo que virá a seguir nesta breve e efêmera passagem. Mas
tenho certeza de que isso não é privilégio meu. Com o tempo virá para todos. E
por isso mesmo temos que viver todos os instantes de forma intensa.