Há muitas recordações de minha infância que se
mantêm de forma nítida, outras com traços menos fortes de memória, mas todas
elas vívidas em nossa existência com marcas sempre presentes.
De São José dos Campos, São Paulo, minha cidade
natal, eu recordo bem de nossa casa, a casa de minha avó e dos meus tios, da entrada grande, com muitas laranjeiras aos lados, do grande quintal, que ligava à casa de meu tio e de minha avó. Entretanto, lembro de poucos momentos em que nós brincávamos com colegas. Tudo era
bastante diferente do que conhecemos aqui no Nordeste, a partir do clima,
bastante frio. A maioria de nossos vizinhos era de origem estrangeira e,
portanto, com outros costumes e cultura. Frequentei por alguns meses uma escola
de Judô, de japoneses. Aprendi o básico, as maneiras de cair, alguns golpes de
defesa etc. Gostava muito e não lembro o porquê da interrupção das aulas.
Convém falar sobre São José dos Campos, no Vale
do Paraíba, que é o município sede de empresas como a Embraer, a Panasonic,
General Motors e diversos institutos como o INPE – Instituto Nacional de
Pesquisas Espaciais, dentre vários outros órgãos importantes para o Brasil. Da
cidade lembramos vagamente da Igreja de São Dimas, a qual o meu pai ajudou em
uma das reformas com monsenhor Ascânio Brandão e do seguinte detalhe: que naquela
igreja ficou um dos sinos com os nomes de meus pais gravados, Alberto e Zisile.
Como vistas da cidade recordo do Banhado, um vale muito bonito, local que podia
ser apreciado de um dos pontos principais da cidade. Também os passeios que
eventualmente o Tio Raimundo me levava, o Riacho Vidoca; lembro também que
assisti a um show da cantora Celly Campello; do Bar Pequeno, na entrada da Vila
Ema, que não sei se ainda existe. A empresa de ônibus de São José para São
Paulo se chamava Pássaro Marrom. Em minha última visita à cidade, eu a
encontrei muito diferente, extremamente mais desenvolvida e movimentada,
continuando a ser uma das maiores cidades paulistas.
São José dos Campos oferecia muita segurança: aos
oito anos eu estudava no Grupo Escolar Olímpio Catão, no centro da cidade e
pegava o ônibus sozinho, da Vila Ema até a escola! De calças curtas, fardado,
eu ficava na parada esperando o transporte, incomodado às vezes pelo frio em
determinadas épocas. Mas os veículos eram novos, limpos e não havia
praticamente perigos de segurança como hoje em dia. Ia para o colégio e voltava
sem problemas. Em alguns dias, com colegas de quem não lembro os nomes, descia
na Esplanada, que hoje é um bairro, mas que naquele tempo eram campos gramados
apenas, nós chegamos facilmente a laçar dois cavalos e neles andar um pouco.
Para que tenham uma ideia, a subida nos animais era feita do muro da casa de
meu tio Raimundo. Tudo escondido, até que um dia o dono dos animais nos viu,
tomou a cordinha que amarrava os dóceis cavalos e ainda de brinde (tomou) as
almofadas de meu tio, que usávamos em lugar de uma cela, depois de me passar um
carão...
Comecei a ler cedo, aos quatro anos e pouco. A
televisão, que os meus pais possuíam, era uma de 14 polegadas, gabinete
metálico e vermelho. Minha mãe me contava que eu prestava bastante atenção aos
“slides” das propagandas, que facilitaram muito a associação de palavras e a
leitura. Aliás, tenho que agradecer os inúmeros livros que eu li, todos
comprados pela mamãe, Zisile ou presenteados. Dentre eles Contos de Andersen,
de Grimm, a coleção completa de Monteiro Lobato, outra coleção “Antes que
aprendam na rua” além da famosa enciclopédia “Tesouro da Juventude”. Sobre os
livros, com toda certeza foram eles que me favoreceram a passar em concursos
importantes na minha vida profissional. Eu me habituei e sempre li muito, na infância e por toda a minha vida.
A música: também iniciei os estudos de acordeon
com a saudosa Dona Ivone, isso já aos sete anos. Tocava as melodias no teclado
(Rosa Maria foi a primeira música) e ela segurava o acordeon e fazia o acompanhamento nos baixos. Depois ganhei um de oito baixos
de minha mãe, a qual só viria a ser substituída por uma de 80 baixos anos
depois! Assim, eu levava o primeiro acordeon para a casa de Dona Ivone,
estudava a aula com ela e voltava para casa na rua, tocando a música aprendida!
Dos brinquedos, lembro que eu tinha
praticamente tudo o que eu criança poderia desejar, como pequenos carros
militares, ambulâncias, aviões, soldados, índios, fortes, postos de gasolina e
outros. Eu os distribuía em meu quarto para brincar, quase sempre sozinho. Tinha uma bola, luvas de goleiro, mas não
tinha um time nem colegas para jogar. Tivemos sempre animais de estimação, o
nome Babu permanece até os dias atuais para os gatos e Rajá para os cães.
Os principais primos que mais recordo são a
Rita de Cássia, a Mônica, o João Ribeiro da Silva Sá e a Maria Lúcia. Além do
querido Tio João Ribeiro da Silva Filho (meu padrinho) e da Tia Maria, esposa
dele. Ambos os tios, Raimundo e João, eram também grandes amigos de meu pai e
eu gostava muito deles. Na foto ao lado, em frente de nossa casa, estou com a prima Mônica, a Rita de Cássia, o meu irmão Getúlio e dois outros colegas que não lembro mais os nomes.
Dentre os diversos primos militares de nossa
família alguns deles passavam as folgas de estudo conosco, em nossa casa. Principalmente
o Wagner Ribeiro e o João Ribeiro da Silva Júnior (In memoriam) que se formaram
na Academia Militar das Agulhas Negras, a AMAN, localizada em Resende (RJ), que
é o único estabelecimento de ensino superior que forma os oficiais combatentes
de carreira das armas de Infantaria, Cavalaria, Artilharia, Engenharia e
Comunicações, do Quadro de Material Bélico e Serviço de Intendência do Exército
Brasileiro. O Pedro Augusto da Silva Neto, também meu primo, morava em Lorena e
nós chegamos a visitá-los algumas vezes. Lembro que ganhei um capacete do
Exército de meu tio, Pedro José da Silva Neto, então Coronel. Como gostava
muito de acessórios militares, afinidade que guardo até hoje, foi um presente
que gostei muito! Fui à AMAN com meu pai e meus tios a algumas solenidades de
entregas de espadim ou de espada aos cadetes e oficiais. Lembro muito dos
desfiles e dos alojamentos que eles me levavam para conhecer. A organização era
impecável, festas bonitas.
Muita diferença de hábitos eu senti quando fui
passar umas férias na cidade de Balsas, Maranhão, onde meu pai nasceu. Empolgava-me
com todas as novidades, entre elas a “lamparina” (pois a energia elétrica era
provida de uma usina que funcionava até as 22 horas apenas). As brincadeiras
com bolinhas de gude, carrinhos e aviões feitos com buriti, andar de bicicleta
e ter colegas para brincar. Eu ficava admirado também pela maneira com que eram
vendidos os refrigerantes, todos em sacos com raspa de madeira dentro para não
quebrar.
Após nossa mudança para Fortaleza, no final de
1960, no início estranhei um pouco. Primeiramente pelos ônibus, que eram
aqueles antigos, com frentes de caminhão. E a maioria deles velhos e não tão
limpos quanto os de São José. Nas ruas eu via as placas “Beba Tai” e também
ficava admirado... Isto porque “Tai” em São José dos Campos era uma marca de
água sanitária e eu pensava, como o pessoal pode beber Tai?
Moramos inicialmente em Fortaleza no Bairro de
Fátima, em uma rua ao lado do Ginásio Nossa Senhora das Graças. Depois mudamos
para um apartamento no final da Costa Barros, que ficava em um prédio em frente
ao Arcebispado. Nossas brincadeiras eram por perto da Igreja da Sé, ao redor, a
maioria de “xerife” e cowboys. Posteriormente outra mudança para a Rua Mário
Mamede, bem perto da Igreja de Fátima, uma temporada muito boa. Estudei em
vários colégios, por causa dos deslocamentos, entre eles o Santa Lúcia, o
Castelo Branco, o Colégio Cearense (marista), o José Barcelos, esse mais
adiante.
Mais tarde, já bem ambientado e gostando muito
da mudança para Fortaleza, onde melhorei muito minha saúde por causa do
excelente clima, passei a morar em Messejana, com todos os encantos daquela
época, muita segurança, trânsito calmo, clima agradabilíssimo, colegas para
brincar e até formar um time de futebol, com nossos amigos e vizinhos. Brincar
de “cowboy” era muito legal. E depois, um pouco mais adiante, jogar botão com
times de “capas de relógio”, nas quais colávamos as fotografias dos jogadores
de nossos clubes (o meu sempre foi o Ceará Sporting Club, hoje o nosso
“Vozão”). Os campeonatos eram realizados em nossas casas, especificamente nas
residências do Pedro Sérgio e Zé Wellington, na do Luís Peixoto e em nossa
própria casa. Dos times de botão para o futebol de salão, no Colégio Cearense
(onde fui campeão em 1965) e nos campinhos perto de casa, com as camisetas
compradas de marcas simples e pintadas com tinta a óleo... Foi em Fortaleza que efetivamente tive os
meus primeiros contatos efetivo com a comunidade, através da interação com
colegas de infância e mais futuramente também com muitas pessoas, quando na
juventude participei do Conjunto Musical Big Brasa.
Minha infância foi muito feliz e dela tirei
alguma iluminação, sem dúvida, além dos registros significativos que possuo até
hoje. Partindo do princípio de que a felicidade não é constante, mas sim ela
nos chega de ciclos em ciclos, assim como tudo mais em nossa existência, fica a
minha eterna gratidão aos meus pais, em primeiro lugar, pela formação e
exemplos que me transmitiram e que foram e estão sendo por demais úteis na
minha vida. Agradeço também a todos que delas participaram, de uma forma ou de
outra, na certeza de que tudo valeu muito, inclusive recordar novamente e
compartilhar com os amigos e amigas.
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